As confrarias religiosas ou Irmandades católicas tiveram papel fundamental tanto na expansão do catolicismo brasileiro quanto na preservação dos cultos ancestrais dos africanos trazidos para o Brasil. Foram essas instituições, servindo de controle e ao mesmo tempo deixando-se servir de amparo aos negros, que facilitaram a aproximação da Igreja dos escravos e humildes, mas que também possibilitaram aos estratos sociais dominados a oportunidade de interagirem, se agrupar e interferir na vida social da colônia nos limitados espaços reservados aos de “ baixo”.
No caso da Bahia, as irmandades possibilitaram as condições para o surgimento dos tradicionais candomblés urbanos, como foi o caso do mais antigo deles, o da Barroquinha, e dos que dali se desprenderam. E como associação religiosa leiga submetida à autoridade eclesiástica nunca encontrou, de fato, barreiras efetivas, para, no seu interior, levar adiante projetos que se distanciavam bastante tanto da orientação religiosa oficial quanto da ideologia escravista, uma vez que tais irmandades, quase sempre, além de cultuarem seus santos ( católicos e africanos ) atuavam deliberadamente na compra de alforria, no acolhimento de perseguidos, quando não conspiravam secretamente contra o regime escravista.
A maior parte das fundadas no Brasil foi trazida de Portugal já no século XVI, sendo instaladas inicialmente em Pernambuco e na Bahia. Dos tempos coloniais até a República, o funcionamento da Igreja no Brasil se baseou nas irmandades que cuidavam da vida cristã dos irmãos, construíam templos e, às vezes, hospitais, como as Santas Casas, organizavam as festas religiosas, corais, orquestras, procissões e até possuíam cemitérios.
Vê-se a importância que tinham essas associações para vida social de então pelo manifesto interesse desse dois destacados núcleos de poder da época colonial. As irmandades seculares eram fiscalizadas pelas autoridades eclesiásticas que deveriam zelar e fiscalizar a sua vida espiritual. E as irmandades eclesiásticas eram visitadas pelas autoridades seculares a quem deveriam prestar contas da sua fábrica, apresentando o balanço da receita e das despesas. As dúvidas que surgiam eram as mais diversas. Até que o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens, em 1754, determinou que nem párocos, nem o promotor do Juízo Eclesiástico deveriam se intrometer nas eleições das confrarias, por ser um ato puramente leigo e secular, julgado no Juízo da Coroa. Eis o paradoxo: instrumento de controle social capaz de criar “ uma rede de cumplicidade” eficiente, as irmandade foram, ao mesmo tempo, espaço de intensa atividade dos mais diversos agrupamentos dentro da sociedade estamental escravista, propiciando a seus membros relativa liberdade de modos no que se refere a valorização de seus interesses, preservação de seus costumes, crenças e afirmação de seus valores no acanhado ambiente de movimentação sócio-cultural de então.
Servindo ao projeto católico de conversão, ao sistema escravista por acomodar os negros e explorados em instituições altamente funcionais e ao mesmo tempo se prestando ao agrupamento e preservação étnica da ampla massa desprovida dos direitos de cidadania no mundo escravista brasileiro, as irmandades desempenharam papel fundamental na manutenção da coesão social e interação dos diversos estratos sociais, expressando, de um lado, as diferenças e abismos existentes, e de outro, aproximando esses contextos, a ponto de permitir a convivência de valores antagônicos e mesmo a sua mistura.