Como todas as confrarias e irmandades, a Boa Morte de Cachoeira, possui uma estrutura organizacional e uma hierarquia interna para gerir a devoção e dar curso às suas obrigações, cotidianas e ligadas aos festejos. Vanhise da Silva Ribeiro, observa que o vínculo mantido entre suas adeptas, não se esgota no esforço de cooperação mútua e no cumprimento de funções socioculturais e religiosas. Ele se desdobra numa relação de pertencimento e identidade que equivale no plano simbólico à situação de parentela, uma vez que as irmãs se consideram como tais, filhas da mesma Mãe, Maria, que une seus filhos e os quer unidos e comprometidos entre si. Essa parentela adquirida impõe a todas as integrantes direitos e deveres correspondentes à sua posição. A hierarquia interna obedece a um processo anual de escolha das suas dirigentes, que tem no topo da estrutura organizacional a Juíza Perpétua, cargo soberano e não eletivo, ocupado pela mais antiga filiada. A indicação de sua sucessora é dada, após seu falecimento, pelo critério de maior tempo de irmandade. Prevalece aqui o tempo de filiação, muito embora a senioridade também seja valorizada na instituição.
A Mesa Administrativa eleita tem quatro cargos: Provedora ou mordoma, Procuradora Geral, Escrivã e Tesoureira. A Provedora ocupa o topo dessa hierarquia, sendo o cargo mais alto da instituição, e quando uma irmã alcança tal posição tem o direito de indicar até três pessoas para tomarem parte da Irmandade como Irmãs de Bolsa. São deveres da Provedora cuidar da programação da festa e providenciar a estrutura necessária para os eventos cuja lista inclui preparo do coreto para o samba, gambiarras para iluminação do local, contratação de filarmônica e corais, aquisição de foguetes, velas, incensos etc. A ela cabe também a responsabilidade pela organização dos grupos que durante o transcorrer do ano levanta donativos e as esmolas coletadas durante o mês de janeiro de cada ano.
Tal Mesa Administrativa se renova a cada ano e as eleitas alimentam saudável rivalidade na organização dos festejos disputando a melhor numa competição amigável e positiva a indicação de melhor desempenho. A cada sete anos, a própria Nossa Senhora da Glória se constitui Procuradora Geral, representada na Mesa pela Juíza Perpétua, que nessa condição irá gerir o festejo do ano. Trata-se de um grande mistério cujo sentido é não só sublinhar a viva presença de Maria entre as adeptas como também a íntima vinculação entre o mundo temporal e espiritual, o céu e a terra, o aiyê e o orun.
A iniciação de novas integrantes obedece a uma lógica interna que se origina com a indicação, a aceitação consensual da indicada e sua inserção efetiva na instituição. Uma dessas irmãs.
Contando atualmente com um seleto grupo de 21 irmãs, a Boa Morte é dos mais importantes signos identitários de Cachoeira e viva manifestação sincrética. Instituição bicentenária, a Irmandade é patrimônio imaterial do povo baiano e um dos mais valiosos exemplos da vida sócio-religiosa do Recôncavo baiano, espaço afro-barroco onde os negros tiveram influência marcante na formação dos valores e na construção da riqueza material do Brasil. Reconhecida publicamente, a Irmandade da Boa Morte passa por um dos mais auspiciosos momentos de sua longa história de resistência e devoção, mantendo-se como original culto mariano, negro e feminino, inigualável em sua pompa, tradição e suntuosidade. Orgulho do povo baiano, viva manifestação de fé, a Festa da Boa Morte é uma rara relíquia da cultura religiosa do país, um bem inigualável da cultura afro-brasileira.