Elevada à condição de patrimônio imaterial da Bahia por decreto governamental de 1º de julho de 2010, a Festa da Boa Morte, realizada nos dias 13,14 e 15 de agosto, é uma das mais relevantes manifestações culturais de matriz africana do Brasil. Trata-se de uma variante da devoção mariana no Recôncavo da Bahia, cuja força, originalidade, imponência e tradição lhe conferem características próprias, singularidade, especial encantamento, a ponto de ter transformado a Irmandade que mantém a devoção num dos mais representativos signos identitários de Cachoeira, cidade afro-barroca por excelência onde mais de 80% da população é negra.
O reconhecimento oficial da Festa da Boa Morte como bem imaterial da Bahia resulta das políticas públicas de salvaguarda de manifestações culturais que levaram em consideração a recomendação da Unesco, de 1998, no sentido de valorizar, preservar e apoiar práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões, bem como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços que lhe são associados, que as comunidades e grupos reconheçam como parte relevante de sua cultura.
Resulta também da ampliação da noção de patrimônio cultural adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, a partir de 2000, quando se instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, daí decorrendo uma política nacional de estudos, registros e programas de salvaguarda, além de ações de respeito e proteção à diversidade cultural e às formas relativas às práticas culturais coletivas, sobretudo tradicionais.
Nada mais justo, portanto, que o Governo tenha reconhecido essa tradição cachoeirana como importante manifestação religiosa e cultural do povo da Bahia, inscrita no Livro Especial de Eventos e Celebrações. De fato, entre as cerca de nove devoções marianas da cidade de Cachoeira, a devoção da Boa Morte foi a que alcançou maior projeção, fama e reconhecimento público, entre todas, em razão de suas próprias singularidades: a de ser, simultaneamente, um culto feminino, negro, de gente de santo, isto é, pessoas ligadas ao mesmo tempo à Igreja Católica e ao Candomblé, cuja origem social remonta ao tempo da escravidão.